Cosmos | Por Carl Sagan

Há dez anos, explosão parou projeto espacial

O Estado de SP

Há dez anos, o motorista Vilson Sérgio tem dificuldade de comemorar o aniversário. Na quintafeira, quando fará 42 anos, vai lembrar do susto ao ouvir a explosão na Base Militar de Alcântara. O acidente, o pior da não muito longa história espacial brasileira, matou 21 engenheiros e técnicos, alguns conhecidos de Sérgio, que nas horas vagas trabalha como taxista na pequena cidade maranhense.

"Nos dois primeiros anos não consegui fazer nada", conta. Uma década depois, a torre do Veículo Lançador de Satélites (VLS), que explodiu no acidente, foi reconstruída. Mas, nesse período, o Brasil não conseguiu levar adiante o que as vítimas morreram tentando fazer.

Pouco se sabe ainda hoje sobre o que levou o VLS a explodir três dias antes da data marcada para o seu lançamento. As teorias conspiratórias são várias, incluindo a aposta em uma sabotagem estrangeira. De concreto, sabe-se apenas que a ignição do foguete acendeu sozinha enquanto 21 pessoas faziam os últimos ajustes. A investigação da aeronáutica conseguiu chegar apenas até aí - além de garantir que não houve sabotagem.

A nova torre ficou pronta na metade de 2012. Até agora, no entanto, apenas um teste foi feito, de integração com um modelo de VLS. De acordo com a Agência Espacial Brasileira (AEB), neste ano será feito outro teste, de integração da parte elétrica com o foguete de um VLS. A agência garante que o Brasil tem tecnologia para desenvolver o veículo.

O ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, no entanto, é bem mais pessimista. Classifica a torre de Alcântara como "um monumento a qualquer coisa". "É uma torre de lançamento sem lançador para lançar. Faz dez anos do fracasso do último lançamento e não sabemos quanto teremos outro VLS ou para quê", diz. 


Na base, visitada pelo Estado há duas semanas, a torre do VLS permanece silenciosa. Nada, a não ser a paisagem, lembra a tragédia. Reconstruída praticamente no mesmo lugar do acidente, fica hoje mais isolada. 

Dez anos depois, o programa espacial brasileiro também parou no tempo. A própria AEB admitiu ao Estado que não conseguiu recuperar o conhecimento que se foi com os 21 técnicos e engenheiros e investe hoje em concursos e parcerias com o setor privado. O ex-ministro Amaral afirma que o impacto é irrecuperável. "Não se recuperam vidas nem os saberes que se foram com eles."

Ucrânia. A solução para o uso da base, encontrada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi um acordo com a Ucrânia para explorar o mercado comercial de lançamentos de satélites usando um foguete desenvolvido naquele país, o Cyclone-4. Uma empresa binacional, a Alcântara Cyclone Space (ACS), foi criada para isso e, enquanto os ucranianos desenvolviam o foguete, o Brasil construía um novo centro de lançamento em Alcântara para o projeto.

Hoje, as obras da ACS estão paradas. Desde março, os mais de 1,5 mil funcionários foram demitidos e a maior parte do maquinário, alugada ou devolvida. Alegando que a Ucrânia não estava colocando sua parte nos recursos, o Brasil também suspendeu o investimento.

Agora, o governo brasileiro começa a renegociar o uso da base com os Estados Unidos. A intenção dessa nova conversa é fazer uma espécie de aluguel da base - começando com os americanos e depois passando a oferta a outros países.

Para o Brasil, hoje, a base não traz nenhum benefício. Nem mesmo para as famílias dos mortos que, até agora, não tiveram o prazer de ver que o esforço feito por eles, dez anos atrás, teve algum resultado.

Alcântara melhora com Bolsa Família e turistas

Todos os dias, a barca que chega de São Luís às 8h30 traz com a maré alta turistas que se aventuram a passar algumas horas em Alcântara. Além do programa Bolsa Família, visitantes são das poucas fontes de renda da cidade. A base militar, que pode render acordos de uso milionário para o governo brasileiro, deixou de ser uma alternativa viável em março, quando acabou o acordo Brasil-Ucrânia.

No auge, a construção da área de lançamento chegou a empregar mais de 1,5 mil pessoas, quase 5% de toda a população do município. Aos poucos, com o dinheiro rareando, começaram as demissões.

Adilson Silva de Oliveira, de 45 anos, era marceneiro no consórcio. Hoje vive de bicos à espera de uma nova oportunidade. "No fim do ano passado começou a dar problema, nos disseram que a Ucrânia não tinha repassado dinheiro e foram dispensando o pessoal Até que parou de vez", conta. Com dois filhos, explica que vai se virando. "Eu tenho uma profissão. Sempre tem uma porta, uma janela para arrumar. E quem não tem? É uma tragédia. Aqui é pequeno, não tem renda, não tem emprego. Só mesmo a prefeitura e a Aeronáutica", diz.

Pior. Há dez anos, a situação em Alcântara era ainda pior. Sem Bolsa. Família e sem turistas, a cidade ficava quase deserta. Vivia-se praticamente de pesca e, em um dia de semana, o silêncio na cidade impressionava. Hoje, há alguns restaurantes, poucas pousadas, lojas de artesanato. Surgiram agências bancárias e lojas, fruto de mais dinheiro circulando - mais de 80% da população recebe Bolsa Família de mais ações sociais e do crescimento do turismo.

O aumento do interesse por outras regiões, como Lençóis, termina por respingar em Alcântara, com turistas de um dia só que chegam de São Luís para conhecer a cidade criada por franceses no século 17 e ainda interessante - mesmo que boa parte de seu patrimônio histórico precise de restauração.


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