Cosmos | Por Carl Sagan

Nós e os 50 anos da Era Espacial

José Monserrat Filho * - Jornal da Ciência

O Brasil só terá a ganhar se souber festejar a data, mostrando aos brasileiros a importância das atividades espaciais no mundo de hoje e a necessidade de ampliar e fortalecer seu programa espacial em benefício do desenvolvimento de todo o país.

Em 2007, o mundo comemora, pelo menos, três efemérides de grande relevância para as atividades espaciais:

1) Os 50 anos da Era Espacial, inaugurada em 4 outubro de 1957, com o lançamento do Sputnik I, o primeiro satélite artificial da Terra, pela ex-União Soviética;

2) Os 40 anos do Tratado do Espaço, o código das atividades espaciais, que segue em vigor, ratificado por 98 países, inclusive o Brasil, mas reconhecido como costume de validade universal, posto que aceito por toda a comunidade internacional;

3) Os 100 anos do ucraniano Serguey Koroliev, responsável pela criação e lançamento tanto do foguete R-7 como do Sputnik I, que abriram a Era Espacial, e, por isso, é considerado um dos "pais da astronáutica moderna".

Para o Brasil, 2007 terá particular importância, por, no mínimo, cinco razões:

1) Será lançado o Cbers-2B, em continuidade ao programa de cooperação sino-brasileiro, firmado ainda em 1988, para a construção e o lançamento de satélites de recursos terrestres (sensoriamento remoto), que lançou o Cbers-1, em 1999, e o Cbers-2, em 2003, e deve lançar os Cbers-3 e Cbers-4, respectivamente, em 2008 e 2011 - o que já se configura como uma parceria permanente e de longo alcance, que se projeta no futuro, sem data para acabar;

2) Devem ser lançadas as bases do Centro Espacial de Alcântara (CEA), que ocupará parte do terreno do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, para a instalação de plataformas de lançamentos comerciais em parceria com outros países, aproveitando as reconhecidas vantagens da região, situada a menos de 30 ao sul da linha do equador, para lançamentos mais seguros e econômicos; o CEA, é claro, inclui obras de infra-estrutura de água, esgoto, comunicações, aeroporto, porto, transporte e armazenamento de equipamentos espaciais, laboratórios, centros de pesquisa, hotel, hospital, residências, áreas de lazer etc.;

3) Deve ser iniciada no CEA a construção da plataforma especial de lançamento do Cyclone 4, como parte essencial das atividades da nova empresa brasileiro-ucraniana Alcantara Cyclone Space, criada em 2006, para explorar lançamentos comerciais em condições altamente competitivas;

4) Será efetuado em meados de 2007 o quarto lançamento de qualificação da sonda VSB-30, desenvolvida pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IEA) do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), do Comando da Aeronáutica, dentro do acordo de cooperação com a Agência Espacial Alemã (DLR), para o Programa de Microgravidade da Agência Espacial Européia;

5) Começará no Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço (conhecido pela sigla em inglês, Copuos), em junho, o exame do programa proposto pelo Brasil para fomentar a mais ampla cooperação internacional a fim de permitir que todos os países construam suas próprias infra-estruturas (especialistas e equipamentos indispensáveis) de recepção, processamento e uso de dados de satélite em benefício do desenvolvimento nacional.

A Era Espacial é um salto na história da humanidade. Revoluciona o estudo do nosso planeta, da Lua, do sistema solar e, em especial, das profundezas do Universo.

A astronomia avança em progressão geométrica e novos desafios se lhe abrem a cada nova descoberta. A observação dos recursos terrestres, a meteorologia, as telecomunicações atingem níveis de desenvolvimento impensáveis há algumas poucas décadas.

A vida na Terra depende cada vez mais dos serviços e benefícios espaciais. Como já foi dito: os satélites tornaram-se "nossos olhos, ouvidos e voz". Um "apagão espacial" causaria males e danos incalculáveis a todos os povos.

Só em 2005, segundo The Space Report: The Guide to Global Space Activities, da Space Foundation dos EUA, as atividades espaciais mobilizaram nada menos do que US$ 180 bilhões (110 bilhões das empresas mistas ou privadas, industriais e comerciais; 57 bilhões do orçamento espacial dos EUA e 12 bilhões do orçamento dos outros países e das organizações internacionais). O orçamento do Programa Espacial Brasileiro ultrapassou em 2006 o patamar dos US$ 100 milhões.

Por isso, é tão importante encontrar, o quanto antes, uma solução internacional amplamente negociada para enfrentar o perigo crescente dos dejetos espaciais para os satélites que prestam serviços essenciais e do uso agressivo das tecnologias espaciais mais avançadas, que inclui a instalação de armas em órbitas da Terra.

O Tratado do Espaço de 1967 instituiu, no Art. 1º, a "cláusula do bem comum", uma conquista extraordinária: "A exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade."

O Tratado do Espaço também consagra a liberdade de uso do espaço: "O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado livremente por todos os estados sem qualquer discriminação, em condições de igualdade."

E, no Art. 2º, veta a apropriação do espaço e de qualquer corpo celeste: eles não podem "ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio".

O Tratado do Espaço, fonte principal do direito e da ética das atividades espaciais, assenta-se em bons princípios. Mas muitos deles precisam ser atualizados e desenvolvidos. E novos instrumentos precisam ser criados para cobrir atividades ainda não regulamentadas.

Intensifica-se, hoje, a comercialização e privatização das atividades espaciais, mas ainda não há uma legislação internacional específica sobre essa área que hoje mobiliza muitas dezenas de bilhões de dólares. O interesse privado pode sobrepor-se ao interesse público, desfigurando o Direito Espacial atualmente em vigor.

Urge promover novos princípios legais e novas formas de cooperação internacional para permitir à grande maioria dos países o uso de tecnologias espaciais em seus projetos nacionais de desenvolvimento.

Os Ministérios da C&T, da Educação e das Relações Exteriores deveriam unir esforços para criar, talvez no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um programa de ensino e pesquisa de Política e Direito Espacial, para formar especialistas qualificados, cada vez mais necessários não só ao programa espacial brasileiro, como também às negociações internacionais, públicas e privadas, em torno de projetos de colaboração e de joint ventures.

Para dar uma idéia da relevância deste setor, lembro que a Ucrânia, nossa parceira em Alcântara, criou, com a Rússia, o Centro Internacional de Direito Espacial, ligado à Academia de Ciências da Ucrânia, centro que já publicou quatro volumes com os tratados internacionais e as legislações nacionais da área espacial, além de outros livros sobre o tema, e promoveu, no início de novembro último, ao lado do Escritório da ONU para Assuntos Espaciais, o 5º Workshop sobre Direito Espacial.

O planejamento estratégico do Inpe, esforço sistemático e abrangente que vem sendo realizado em 2006 por iniciativa de seu diretor, Gilberto Câmara, poderá dar seus primeiros resultados concretos já em 2007.

Suas metas são ambiciosas: "identificar as transformações necessárias para ampliar a efetividade e a eficiência das ações do Inpe junto à sociedade brasileira, e capacitá-lo para enfrentar as incertezas e demandas do futuro, internalizando e sistematizando a cultura do planejamento e da prática estratégica".

Fixaram-se dois focos de debate no Inpe: 1) Como interagir com o âmbito externo em benefício do Inpe? 2) Como organizar o âmbito interno para atender melhor às demandas externas e suas especificidades?

Para tanto, os eventos, estudos e documentos gerados no mutirão do planejamento estratégico devem responder às questões:
1) Como fazer o Programa Espacial ter o tamanho do Brasil?
2) Como organizar o Inpe para produzir C&T de impacto?

O mutirão requer, como fator essencial, a participação ativa e criativa de todas as cabeças pensantes do Inpe, pois se trata de algo verdadeiramente estratégico: mudar o presente para construir o futuro da instituição e de parte importantíssima do programa espacial brasileiro.

Na verdade, é urgente que o Brasil amplie, em grande escala, na área espacial: a pesquisa científica e tecnológica; o fomento à inovação em todos os setores; a formação de pesquisadores e técnicos; a participação das Universidades e Centros de Pesquisa; o desenvolvimento e consolidação da indústria; a compreensão e o apoio da sociedade; as iniciativas inovadoras, ousadas e justas que abram novas rotas de cooperação internacional.

* Editor do Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial e membro do Comitê Espacial da International Law Association (ILA).

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