Tudo sobre a Nebulosa do Caranguejo
por Raymond Shubinski - Astronomy |
No núcleo da Nebulosa do Caranguejo (M1) se esconde um monstro de proporções dantescas, cuja verdadeira natureza a mente humana mal consegue compreender. O coração deste redemoinho em expansão contém um objeto em rotação, que há algumas gerações, teria sido classificado como ficção científica. O coração desse monstro pulsa 33 vezes por segundo e sua presença despedaça a matéria das vizinhanças.
Até 1967 a ciência apenas suspeitava da existência dessa fera. Nesse ano, uma jovem aluna de graduação em astronomia na Cambridge University, Inglaterra, Jocelyn Bell (hoje Jocelyn Bell Burnell) detectou uma pulsação que vinha da constelação de Taurus (Touro). A cada dia a pulsação era detectada cerca de quatro minutos mais cedo. Como uma variação de quatro minutos só podia ser associada à variação na órbita da Terra em torno do Sol, esse período mais curto identificava a fonte como de origem estelar. As pulsações - 33 vezes por segundo - eram tão regulares que os astrônomos por brincadeira as denominaram LGM (Little Green Man - Homenzinhos verdes). Qual seria a fonte dessa pulsação tão regular? Não havia explicação plausível.
Decifrando o mistério
Nos anos 1960, o estudo da evolução estelar progredia rapidamente. Havia um esforço generalizado para explicar a morte das estrelas de diferentes massas. Estrelas com massa semelhante ao Sol (uma massa solar), deveriam perder cerca de 50% de sua massa de forma suave pelo vento estelar. A força da gravidade se encarregaria de contrair a massa restante da estrela, criando uma anã-branca - uma esfera, aproximadamente do tamanho da Terra, de matéria extremamente comprimida.
Estrelas de oito massas solares ou mais tinham uma morte diferente - explodiam. À medida que essas estrelas atingiam um estágio crítico, seus núcleos colapsavam sob a ação da gravidade, para depois rebotar numa tremenda explosão, conhecida como supernovas. A força da gravidade consegue comprimir em uma esfera de poucos quilômetros de diâmetro toda a massa que ainda tenha restado. A matéria deste remanescente estelar é tão compactada como no núcleo de um átomo, que acaba por deter o colapso. Esse objeto, conhecido como estrela de nêutrons, gira com velocidade espantosa.
A pulsação que Bell detectou vinha de um feixe de radiação na superfície da estrela. À medida que a estrela girava, o feixe passava pelo campo de visão da Terra. Os astrônomos chamam esses objetos de pulsares. A rotação do pulsar produz um batimento regular, mais preciso que qualquer relógio.
Esse, no entanto, não era o fim do caso. Acontece que o pulsar encontra-se próximo da estrela Zeta do Touro. Quando os astrônomos localizaram sua posição verificaram que o pulsar era a estrela que estava no centro da Nebulosa do Caranguejo.
No rastro desse cataclismo estelar o gás que se expande para o espaço é rico em elementos pesados - elementos criados somente pelas supernovas. O que aconteceu no céu em 1054, na verdade, não foi somente a morte de uma estrela, mas o enriquecimento do espaço interestelar que pode resultar nos tijolos necessários para a construção de novos planetas, certamente, planetas como a Terra.
Surgem os caçadores de cometas
Há exatos 358 anos antes da descoberta de Bell, o fabricante de óculos holandês, Hans Lippershey (1570-1619), combinando algumas lentes, inventou o telescópio. Em 1610, Galileo Galilei (1564-1642) apontou esse novo dispositivo para os céus e mudou completamente nossa visão do Universo.
Galileo descobriu que a Via Láctea é formada por milhões de estrelas muito fracas que não podem ser vistas a olho nu. Observou também, que em algumas regiões, como a da espada de Órion, havia uma espécie de névoa. Esses padrões nebulosos intrigavam a nova geração de astrônomos que utilizavam telescópios. À medida que os telescópios foram aperfeiçoados, as observações também melhoravam.
No século 18, os astrônomos começaram a catalogar meticulosamente suas descobertas. Um dos mais famosos desses observadores era o francês Charles Messier (1730- 1817). Quando tinha apenas 14 anos, Messier viu o cometa que agitou a Europa. Em 1744, os cometas ainda eram vistos como uma mistura de encantamento, suspeita e medo.
O astrônomo inglês, Edmund Halley (1656-1742), observou um cometa brilhante em 1682 e concluiu que o cometa - que hoje leva seu nome - deveria aparecer novamente em de aproximadamente 76 anos. Suas declarações tornaram a caça aos cometas uma verdadeira paixão durante todo o século 18. Depois de ver o cometa de 1744, o jovem Messier logo se tornou um pesquisador devotado. Entretanto, pelo menos no início, ele teve problemas. Messier continuou a procurar padrões nebulosos de luz que se parecessem com cometas, mas se recusou a procurar estrelas do fundo do céu que poderiam ser cometas.
Primeiro objeto Messier
Na primavera de 1758, Messier estava tentando encontrar um cometa próximo da estrela Zeta (?) de Touro, uma estrela bem na ponta do chifre do Touro. Messier pensou que tinha achado um novo cometa, mas o objeto não se movia. Messier decidiu então começar a catalogar esses "não-cometas" e fez desse objeto de Touro o primeiro da sua lista - M1.
Apesar de o objeto ter se tornado o primeiro, do hoje famoso catálogo de Messier, ele não foi o primeiro a observá-lo. A honra coube ao inglês John Bevis (1693-1771) que vislumbrou esse fraco e diminuto ponto de luz em 1731.
Apesar da animosidade entre França e Inglaterra, Messier generosamente reconheceu a descoberta de Bevis numa edição posterior do catálogo. Não faz muita diferença saber quem foi o primeiro a observar a M1, mas interessa sim, saber como isso um dia melhoraria a nossa compreensão das estrelas.
Uma nova estrela brilha adiante
O ano de 1054 foi difícil para o Papa Leão IX. Nesse ano ele excomungou o patriarca de Constantinopla e criou a cisão entre as igrejas Oriental (depois chamada de Ortodoxa) e a Ocidental. Os historiadores hoje chamam esse evento de o Grande Cisma de 1054. Leão IX morreu em 19 de abril e curiosamente, menos de três meses depois (4 de julho), um evento espetacular brilhou nos céus. Os europeus deviam estar muito ocupados com seus próprios problemas porque ninguém parece ter notado esse evento.
Bem longe dali, no deserto do Arizona, alguns nativos americanos olharam para o céu na noite de 4 de julho e ficaram estarrecidos. Perto da lua crescente, brilhava uma nova estrela, quatro vezes mais brilhante que Vênus. A estrela pôde ser vista à luz do dia durante 23 dias e permaneceu visível por 653 dias, antes de finalmente desaparecer.
Normalmente conhecidos como os Anasazi (grupo cultural ancestral dos índios americanos), estes observadores do céu anotaram a posição dessa nova estrela fulgurante em relação à Lua. Como não dispunham de escrita, deixaram suas anotações em petroglifos (figuras rupestres) na face saliente de uma rocha abrigada da intempérie. O astrônomo Carl Sagan resume a situação de forma bastante poética: "A posição em relação à Lua crescente deve ter sido exatamente como foi desenhada. Há também a marca de uma mão aberta, talvez a assinatura do artista".
Estranhamente, os árabes, como os europeus, também deixaram poucos registros desse evento. Acredita-se que para fazer suas previsões astrológicas esses observadores do céu se preocupavam muito mais com as posições planetárias em relação às estrelas brilhantes que com eventos passageiros. No entanto, pelo menos uma cultura deixou registros escritos detalhados sobre esse evento surpreendente.
Esta "estrela convidada" notável cativou os chineses. A astronomia chinesa se desenvolvia em função das interpretações astrológicas. Ser um astrólogo na corte do imperador Sung era algo extremamente sério. Os astrólogos acompanhavam cuidadosamente as passagens dos cometas e até deixaram registros de manchas solares feitos a olho nu. Eles previram eclipses solares e lunares e observaram várias estrelas convidadas. A estrela convidada de 1054, no entanto, recebeu atenção especial.
Os astrônomos chineses observaram essa estrela convidada inicialmente perto da estrela T'ien-kuan, conhecida no ocidente como Zeta do Touro. A nova estrela que tinha irrompido os céus deixou o imperador muito angustiado. Finalmente, o astrólogo Yang Weite se apresentou ao imperador com o seguinte relato: "A estrela convidada não ameaça Pi, a mansão lunar em Touro, e seu brilho é uma afirmação categórica de que há uma pessoa de grande sabedoria e virtude no país". Era como se Yang Weite estivesse lendo os bilhetinhos da sorte, mas, e você, o que você teria dito ao imperador?
A estrela convidada, que apareceu pela primeira vez em 4 de julho de 1054, desapareceu em 17 de abril de 1056 e também desapareceu da memória das pessoas, a menos desses escassos registros. Outras estrelas convidadas foram vistas ao longo dos séculos, uma delas foi observada por Tycho Brahe (1546-1601) em 1572. Tycho, observador sempre atento, provou que essa nova estrela, como o cometa de 1560, estava muito além da Lua e fazia parte do reino das estrelas fixas. Ele até denominou o evento de "stella nova", o nome latino para "nova estrela".
O esboço do Caranguejo de Lord Rosse
Devido à alta porcentagem de cobertura de nuvens, a Irlanda não é um bom sitio para observações astronômicas. Em meados do século 19, no entanto, William Parsons, terceiro conde de Rosse (1800-1867), tirou proveito da sua posição social. Construiu um telescópio refletor com um espelho de 91 centímetros, no castelo de seus antepassados, o castelo de Birr. Parsons superou-se ao desenhar o que viu na ocular do telescópio. Em 1844, observou M1 e fez algumas anotações: "Conseguimos resolver filamentos isolados, pendendo principalmente da sua extremidade sul, ao contrário do que acontece nos aglomerados, onde são irregulares, e em todas as direções".
Os desenhos da M1 se pareciam com um caranguejo e o objeto logo ficou conhecido como a Nebulosa do Caranguejo. Por volta de 1848, Parsons observou a Nebulosa do Caranguejo com o Leviatã de Parsonstown - telescópio refletor de 183 centímetros - também localizado no castelo de Birr, que forneceu uma visão ainda melhor da MI, mas nenhuma pista sobre a sua verdadeira natureza.
O astrônomo inglês William Herschel (1738-1822) acreditava que poderia resolver as estrelas de M1, se utilizasse um telescópio suficientemente grande. Lord Rosse achava que ele ia conseguir ver as estrelas individuais. Mas estava enganado. Os telescópios sozinhos, independentemente do seu tamanho, não eram suficientes para resolver a questão. Eles teriam que usar um novo instrumento para elucidar esse mistério.
O astrônomo inglês William Huggins (1824-1910) acoplou um espectroscópio ao seu telescópio e revelou uma nova forma de observar objetos celestes. O espectroscópio separa a luz das estrelas numa gama de cores interrompida por linhas escuras. Na metade do século 19 os astrônomos estavam apenas começando a entender como decifrar esse código de barras celeste. Diversos aspectos da Nebulosa do Caranguejo, como sua composição química e sua velocidade de expansão, foram revelados através de espectros posteriores.
Na virada do século 20, Vesto M. Slipher (1875-1969) tornou-se diretor do Lowell Observatory, em Flagstaff, no Arizona. Slipher era especialista em espectroscopia. Ele percebeu que as linhas espectrais da M1 indicavam que a nebulosa estava se expandindo rapidamente. Hoje, sabemos que o gás se expande a uma velocidade de 5,4 milhões de quilômetros por hora.
Imagens obtidas em intervalos de décadas mostram que a Nebulosa do Caranguejo está mudando com o tempo. Estudos posteriores estimaram sua distância em cerca de 6.000 anos-luz. Ela abrange uma região do espaço que ultrapassa 10 anos-luz de extensão.
A primeira coisa que os astrônomos queriam saber era há quanto tempo essa expansão começou. As imagens da M1 obtidas com o Hooker Telescope de 2,5 metros de Monte Wilson, na Califórnia, indicaram uma idade aproximada de 800 anos. Esse valor não era muito confiável, mas ninguém sabia que estavam olhando para a estrela convidada de 1054, até que a descoberta do pulsar do Caranguejo, feita por Bell, mostrou o caminho.
Qualquer avanço nos telescópios ou na tecnologia de detectores levará a novas descobertas sobre a M1. Se você tiver a oportunidade de observar a Nebulosa do Caranguejo, verá os remanescentes de uma enorme explosão e entenderá em parte, porque o primeiro objeto de Messier continua a surpreender.
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