Cosmos | Por Carl Sagan

Indo para o espaço

Demarcação de terras quilombolas, cortes no orçamento e ação de ONGs tornam inviável programa espacial brasileiro

Hugo Marques e Octávio Costa

Ao saber que o Irã lançou seu primeiro foguete ao espaço, o presidente da Agência Espacial Brasileira, Carlos Ganem, teve uma reação inesperada. "Quando vi a notícia, chorei no meu quarto, sozinho", conta, inconformado com o fato de o Brasil ser ultrapassado por nações sem tradição na corrida espacial. Segundo ele, o País está entre os principais players do mercado de foguetes e satélites, que movimenta mais de US$ 350 bilhões por ano. Mas falta visão sobre a importância do programa espacial. Em entrevista à ISTOÉ, Ganem enumerou os obstáculos que enfrenta para lançar o Cyclone, um foguete de 50 metros de altura e 198 toneladas, que será construído em parceria com a Ucrânia.

Entre as dificuldades para desenvolver os principais projetos do Centro Espacial de Alcântara (CEA) estão o corte no orçamento da AEB, a demarcação de terras quilombolas em Alcântara, a ação de ONGs e processos no TCU. "Os ucranianos acham que eu administro um sanatório geral", afirma.

Relator da Comissão Mista de Orçamento, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) é criticado pelo presidente da AEB, que não perdoa o corte de 22,5% nos recursos da agência. A dotação de 2009 caiu para R$ 280 milhões, mas seria necessário pelo menos o dobro para o projeto Cyclone. "É uma escolha burra. Praticamente se disse adeus a um programa como o Amazônia 1", lamenta. Com lançamento previsto para 2010, o Amazônia 1 seria o primeiro satélite totalmente nacional. "Ou o Brasil aposta num programa espacial completo, autônomo e suficiente, ou jamais poderá exercer o papel protagonista que a história lhe reservou", diz o executivo. No novo mapa espacial que está na mesa do presidente da AEB, a Europa, os EUA, o Japão e a Coreia "crescem" este ano, enquanto o Brasil "perde espaço" e a África "desaparece".

Além do corte orçamentário, o programa espacial enfrenta limitações fundiárias. Os quilombolas de Alcântara, no Maranhão, reclamam que em 1980, com a implantação da base de lançamento, mais de 300 famílias foram removidas e não tiveram acesso às praias onde pescavam, perdendo seu sustento.

Em novembro, o Incra concedeu aos quilombolas mais da metade da área do município, cerca de 80 mil hectares. O Centro Espacial teve sua área reduzida de 14 mil para 9,3 mil hectares, quando o ideal seria 20 mil hectares, no mínimo (Kourou, a base francesa na Guiana, tem 85 mil hectares). Ativista do movimento das famílias atingidas, Sérvulo Borges afirma que a expansão terá de ser feita dentro da área atual. "Se no futuro os quilombolas quiserem negociar, isso é uma questão que fica a cargo deles."

As imagens dos satélites ajudam ao agronegócio, ao controle de queimadas de pequeno porte e à prevenção de desastres climáticos.

Em 2001, após os ataques terroristas ao World Trade Center, os americanos redirecionaram todos os sinais de satélites, em prejuízo da agricultura de vários países abaixo da linha do Equador.

Apesar de todos os obstáculos, o presidente da AEB promete que fará o possível para colocar no espaço um foguete com satélite até o fim do governo Lula. Dentro desse objetivo, a torre de lançamento do Veículo Lançador de Satélites (VLS1), que derreteu durante um incêndio em 2003, começou a ser reerguida em 2008, num projeto de R$ 40 milhões. A reconstrução ficou parada por dois anos, aguardando decisão do TCU sobre a licitação. Quanto ao foguete Cyclone, embora sem um sítio exclusivo, poderá ser lançado nas instalações atuais.

"O Cyclone vai voar em 2010 de qualquer maneira, pois o programa espacial é irreversível, com ou sem novas áreas", garante Ganem.

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