Astronauta brasileiro quer formar nova geração de conquistadores do espaço
Há 9 anos, em 29 de março de 2006, o primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes, embarcou na espaçonave Soyuz TMA-8 para chegar à Estação Espacial Internacional (EEI), no quadro do projeto conjunto russo-brasileiro Missão Centenário. Foi a única entrada brasileira à EEI.
Sputnik
Abaixo, segue a reprodução da entrevista concedida por Marcos Pontes à agência Sputnik:
– Quais lembranças você tem da missão desde que tudo começou, desde que você decidiu ser um astronauta, fazer a preparação, até chegar à Estação Espacial Internacional e retornar da missão, que foi altamente exitosa?
– Tenho muitas recordações boas. Eu lembro do tempo quando cheguei, foi em 1998, em Houston, para começar o treinamento. Foram muitas histórias. Houve sacrifícios, mas também muitas boas lembranças. Dois anos de formação e depois um intervalo grande com treinamentos e preparações e uma expectativa muito grande. Finalmente, eu fui escalado em 2005 e prossegui à cidade das Estrelas. E a partir dali, acho que foi uma história intensa. Porque o contato na Rússia, a maneira com que eu fui tratado, as amizades que se mantêm até hoje… Aliás, falando aqui, eu acabei me lembrando de uma coisa. Eu acabei de lançar um livro. É o meu quarto livro e se chama “Caminhando com Gagarin”. Ele relata exatamente este período de treinamento e voo espacial através dos diários da época. O livro foi lançado agora em 22 de março, por isso estou com essas lembranças bem à flor da pele.
– A data foi escolhida propositadamente para coincidir com as comemorações dos nove anos da Missão Centenário?
– Exato. Esse livro vem para comemorar. No primeiro capítulo do livro eu recordo o momento em que eu cheguei no centro de treinamento Yury Gagarin, com toda aquela neve. E a primeira vez que eu entrei na área operacional, por aquele caminho branco, coberto de neve, o que passava na minha cabeça era o que que Gagarin poderia estar pensando ao passar neste mesmo lugar, aqui neste caminho em branco que leva ao espaço?
– A qual conclusão você chegou?
– É uma coisa interessante, mas eu senti uma ligação muito grande com Gagarin desde o tempo de criança. A figura dele é uma figura muito marcante, pelo menos para mim foi muito marcante e, de repente, eu estava ali treinando, exatamente como ele fez. Para mim, era uma sensação muito boa. O que eu pensava ali era o seguinte: aquela visão do espaço, o que não saía da minha cabeça era aquela visão do espaço. Publicar este livro agora foi muito marcante, com textos daquela época e recordações também do treinamento e do voo espacial.
– E você e Yury Gagarin têm muito em comum. Ambos são militares, ambos têm paixão pela pesquisa espacial e ambos estabeleceram grandes conexões com o trabalho que fizeram.
– Isso é uma coisa interessante. Eu lembro do meu tempo, em Star City, em que fui extremamente bem tratado, até hoje tenho relações excelentes com todo o mundo. Mas uma coisa que se falava muito foi que eu tinha o sorriso de Gagarin. É natural para mim sorrir, eu gosto de sorrir. E falaram os mais antigos do centro que Gagarin também era da mesma forma. E lá na Rússia, então, me falaram que eu tinha o sorriso de Gagarin, e começou assim. Depois começavam as comparações com a data de nascimento. Eu sou do dia 11 de março, e Gagarin, do dia 9 de março. Começavam a comparar o tipo de comportamento e assim por diante. Então, talvez por influência disso, dentro do centro eu era tratado de uma maneira excepcionalmente melhor que qualquer outro cosmonauta ou astronauta de outros países. E aquilo me deixou ainda mais feliz pelo fato de eu já ter essa admiração por ele, então eu tive ainda mais ligação.
– Como é que você vê o futuro da indústria cósmica no Brasil? Ela tende a avançar?
– O Brasil, do meu ponto de vista, passa por um momento meio sombrio. Em muitos setores, mas falando especificamente do setor em que eu atuo, ou seja, Educação, Ciência e Tecnologia, a gente passa por um momento bastante sombrio. Eu tenho acompanhado um tipo de um encolhimento tanto nas pesquisas aplicadas, quanto na coragem de investimento para o desenvolvimento destes setores. E são setores que precisam não de um investimento extremamente alto, mas de um investimento constante que cresça segundo o crescimento do setor e que seja bem aplicado dentro das áreas. Por exemplo, se você pesquisar a quantidade de publicações que a gente tem nas universidades, e eu sei bem disso porque dou aulas, na USP, em São Carlos, na engenharia aeronáutica, a gente tem uma grande quantidade de publicações pelos nossos profissionais da área acadêmica, mas se você olhar nos gráficos que mostram os países em termos de publicações e em termos de inovações, verá que estamos bem em número de publicações e extremamente mau, muito ruim em inovações. O que significa que muita coisa está ficando na prateleira e as coisas não são colocadas na prática.
– Há muita documentação e há pouca prática desta documentação.
– Exatamente. Isso acontece por várias razões, uma delas é que a nossa legislação dificulta muito a participação do setor privado dentro das universidades públicas para o desenvolvimento de sistemas, de soluções aplicáveis diretamente à indústria ou às atividades normais, privadas. Ele não pode ter o desenvolvimento de sistemas lá dentro. Então as ideias ficam no papel, mas elas não têm nem infraestrutura dentro das universidades, nem apoio do setor privado para dar aplicação direta a estes produtos. Ou seja, como resultado a gente tem pouca inovação, poucos produtos e com isso a gente perde a chance de ter maior valor agregado ao produto nacional.
– São estes fatores que impedem a indústria espacial brasileira de ir avante?
– É, realmente essa parte, a associação da academia com a indústria privada ou a não associação aqui no país prejudica também o setor aeroespacial, assim como outros setores da indústria e outros setores de desenvolvimento de tecnologia. Existem soluções possíveis? Existem. Mas o que eu não tenho assistido é um esforço mais concentrado, um esforço mais lógico e eficiente por parte do próprio governo ou por parte das universidades de se aproximar mais. É um trabalho que a gente tem por frente.
– Há dois ramos também na esfera pública que são o da Educação e o da Saúde, às quais você se dedica muito e tem um grande empenho ao longo da sua vida. A pesquisa espacial merece tantos investimentos quanto merecem a educação e a saúde no país?
– É uma questão bastante interessante. Muitas vezes as pessoas associam a pesquisa científica e aplicada com algum gasto acessório ou alguma coisa que não tem aplicação direta. E isso é um erro muito sério. Logicamente, na base a educação, saúde, segurança são investimentos necessários, mas na sequência, se você não tiver uma ciência e tecnologia muito bem desenvolvidas para que você tenha colocações, empregos, empresas sendo criadas para que possa empregar as pessoas qualificadas pela educação e com saúde necessária e transporte para irem ao trabalho, a gente não tem o desenvolvimento continuado no país. Ou seja, isso é extremamente importante que se tenha. E não pode ficar na dependência do exterior. Tem que ter desenvolvimento local. Isso faz parte do investimento e tem que ser feito.
– Você voltaria ao espaço? E da mesma forma acredita que no momento que estamos vivendo ou mais adiante há espaço para que o Brasil prepare mais um astronauta?
– Eu tenho esse sonho de retornar ao espaço. Eu continuo à disposição do Brasil como astronauta, eu trabalho em Houston e em São Paulo, assim como na ONU também, eu sou embaixador da ONU para desenvolvimento industrial, então vou muito a Viena, na Áustria, assim como em outros países e tenho a esperança de retornar ao espaço. A probabilidade de voltar lá no momento que o país vive agora é muito baixa, mas não é nula. Assim, eu tenho também a esperança de ajudar na formação de um astronauta profissional do Brasil. Eu quero ver outra pessoa carregando essa bandeira também. Agora, é um ponto importante que eu costumo dizer, inclusive falar aos meus alunos de Engenharia, que o mundo hoje é globalizado. 60% dos meus amigos de Houston já estão trabalhando em empresas privadas dos EUA e outros países para desenvolver sistemas de acesso ao espaço, manutenção etc. Como a SpaceX, a Boeing, a Bigelow e outras empresas. Tem muitas possibilidades de trabalho para os profissionais. Eu tenho convites de retornar através do trabalho como astronauta profissional em empresas privadas.
– Trata-se do turismo espacial ou de uma pesquisa científica?
– Na verdade, são as duas coisas, que são interconectadas atualmente. Essas empresas já desenvolveram sistemas para levar equipamento à EEI e agora estão desenvolvendo e melhorando os sistemas para poder levar astronautas até a EEI ou outros locais. Tem um grande esforço da NASA e do próprio governo norte-americano que tentam apoiar essas empresas. E o sentido é não só a pesquisa espacial, mas também a parte comercial dessas empresas. Há muitas aplicações interessantes disso que eu pretendo ajudar também – não só no desenvolvimento dos sistemas, mas também na operação desses sistemas no espaço.
– Fala-se muito no turismo espacial e que uma passagem, digamos assim, para que o turismo espacial custaria algo em torno a 150 milhões de dólares. Você confirma essa cifra?
– Acho que este valor é meio alto. Tem uma agência, inclusive, que tem venda de voos suborbitais, como Virgin Galact. Os voos suborbitais da Virgin estão saindo a 250 mil dólares por pessoa. E a gente foi no ano passado a quinta agência do planeta que mais vendeu este tipo de pacotes turísticos. Agora, existem outras opções também, inclusive mais caras, como a própria ida à Estação Espacial como turista e a gente fala de valores superiores a 40 milhões de dólares, ou para aqueles que querem ir ainda mais longe. Existem algumas possibilidades no futuro de se levar turistas à Lua. Aí, os valores, eu não sei. São valores realmente altos, mesmo porque a própria NASA está nesse esforço de retorno à Lua, o que deve acontecer na década de 2020, mas ainda tudo está no campo de especulação e nos projetos preliminares.
– Você já nos disse que é professor de Engenharia Aeronáutica na USP, alterna o seu tempo entre o Brasil e os Estados Unidos, também está ao serviço da ONU, lançou recentemente o seu quarto livro, e tivemos informações no final de 2014 que você estaria se envolvendo também com a política. É verdadeira esta informação de que você estaria participando da organização de um partido político?
– Na verdade, além de todas essas atividades no Brasil e fora do Brasil, inclusive para quem for visitar o Mickey, em Orlando, em julho, dá um pulinho lá no Cabo Canaveral, no Kennedy Space Center, que eu estou de serviço lá. Mas a política, eu acho que é necessidade de todo cidadão participar da política. O que a gente não pode é ter cidadãos virando as costas à política porque essa é a maneira de a gente entregar o país às mãos de pessoas que não deveriam estar no comando. E é uma maneira de incentivar os jovens a participarem mais do seu país, usar o conhecimento para informar outras pessoas. Eu vejo todo cidadão como um político em potencial. E no ano passado, em São Paulo, eu me candidatei a Deputado Federal com o intuito de poder ajudar, de poder trazer as coisas todas que aprendi e que tenho aprendido, seja como engenheiro, como astronauta, como embaixador da ONU, trabalhando em projetos de desenvolvimento sustentável, para poder colocar à disposição do país no Congresso. Para mim, seria um sacrifício, um exercício de logística bastante grande para poder ajustar as coisas para poder participar. Mas eu achei importante não só me candidatar e me apresentar ao país para cumprir a minha parte como também para dar o exemplo.
– Você concorreu por qual partido?
– Eu fui candidato a Deputado Federal pelo PSB, eu fiz 43 mil votos, que foi um número de votos bastante significativo. E especialmente o tamanho de campanha que eu fiz. Foi uma campanha muito pequena. Eu acho que a pessoa não tem que ficar fazendo campanha. Têm que fazer campanha são aspessoas que querem ser representadas.
– Você confirma as informações que está participando da organização de um novo partido?
– Não exatamente da organização, mas eu apoio à criação do PMB, o Partido Militar Brasileiro. Embora não goste do nome – eu já explico por que – mas eu acho importante que exista também a representação desse partido ou dos valores que ele representa, na política. O PMB não é um partido de militares, é um partido composto principalmente por civis, mas de pessoas que apoiam a ética, apoiam a família, apoiam a manutenção de valores dentro da política, assim como nos outros setores do país. E esses valores que são de certa forma agregados pelos militares também.
– O partido já está constituído, já tem registro no Tribunal Superior Eleitoral?
– Não, ele tem mais do que o necessário em termos de assinaturas, de apoiamento, mas ainda não está constituído ele não foi apresentado ainda ao TSE. Estamos aguardando o momento mais adequado para apresentar com um número muito grande de sobra de assinaturas, que nem todas estão homologadas. Mas é bom que as pessoas saibam que existem representações do PMB espalhadas pelo Brasil todo. Quem quiser informações e digitar na Internet: Partido Militar Brasileiro, pode cair em algum diretório, encontrar algum contato e receber mais informações e ler o estatuto.
– Você vai se candidatar às eleições municipais de 2016 ou às gerais de 2018?
– Não. Eu não pretendo me candidatar em 2016. Em 2018, eu não sei ainda. Eu estou aguardando, pensando o que eu vou fazer. Eu não vejo política como profissão, eu vejo política como uma missão.
– Para comemorar os 10 da Missão Centenário anos estará se elaborando um programa especial de comemorações?
– Com certeza. Estamos com ideias bastante interessantes para a comemoração dos 10 anos. E em comemoração dos 9 anos, também vai ter algo mais do que livro. Em Bauru, vai ter um show aéreo, chamado “Arraiá” aéreo, no dia 14 de junho, no Aeroclube de Bauru. Estamos esperando a presença de 30 mil pessoas. Quem quiser mais informações sobre o evento, é só acessar: http://www.marcospontes.com.br/EVENTO/centenario_2014.html
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