O Brasil deve gastar R$ 800 milhões aqui?
Esse é o preço para fazer parte do consórcio que irá erguer o maior telescópio do mundo. E o valor não garante que nossos pesquisadores terão os mesmos direitos que os estrangeiros
Juliana Tiraboschi - IstoÉ
Entrar para a primeira divisão no clube dos líderes em avanços tecnológicos é a meta de todo país que não se contenta em ser apenas emergente. Para chegar lá, é preciso planejamento, esforço, estudo e dinheiro, muito dinheiro. Exemplo disso é o preço que o Brasil está prestes a pagar por um título de sócio em um clube da elite científica global. Está em análise na Câmara dos Deputados um acordo firmado em 2010 entre o então ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, e o Observatório Europeu do Sul (ESO), consórcio formado por 14 países que operam telescópios de alta tecnologia. Se a parceria for aprovada, o Brasil será o primeiro país de fora da Europa a participar do projeto. O acordo prevê que o País invista até R$ 800 milhões em dez anos, segundo o ESO. Esse dinheiro será usado, principalmente, para financiar a construção do "European Extremely Large Telescope" (E-ELT). O ESO já construiu equipamentos como o Very Large Telescope (VLT) e o Alma, o maior complexo de antenas de radiotelescópio do mundo, ambos instalados no norte do Chile.
Tornar-se membro do ESO abre caminho para o uso dos telescópios e para que empresas brasileiras participem da construção de instrumentos do E-ELT. "O Brasil tem muito a ganhar em conhecimento, acesso a tecnologia de ponta e formação de pessoal", diz Roberto Dias da Costa, chefe do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo. Adriana Válio, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira e professora do Mackenzie, em São Paulo, também se entusiasma. "Antes de 2010, os brasileiros só tinham acesso ao ESO se entrassem em projetos em colaboração com europeus, e agora já podem entrar como autores principais", diz.
Segundo ela, o ESO recebeu 15 projetos brasileiros para o período de 1º de abril a 30 de setembro de 2013, com um índice de sucesso de 25% para o VLT e de 50% para outros telescópios. Segundo a direção do ESO, essa taxa é igual à dos demais membros. O astrônomo Cássio Barbosa, da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), não compartilha do ânimo de seus colegas. "Só os pesquisadores que já tinham parcerias com os europeus estão tendo projetos aprovados. Os cientistas mais jovens vão ter dificuldade de acesso", acredita.
Mais peremptório na defesa de que o Brasil salte fora do projeto é João Steiner, professor de astronomia na USP. Na opinião dele, o custo é absurdamente caro e não garante acesso aos equipamentos: "Os brasileiros vão competir em desigualdade com os europeus, que são em maior número e mais qualificados. Estamos subsidiando a ciência europeia com dinheiro do nosso contribuinte". O pesquisador defende que o Brasil participe de consórcios mais baratos de outros telescópios, como o Giant Magellan Telescope (GMT), que será construído também no Chile, e o Thirty Meter Telescope (TMT), com instalação prevista no Havaí.
Enquanto os astrônomos debatem, o ESO aguarda. "A fabricação do E-ELT só começará quando as contribuições chegarem a 90% do um bilhão de euros (R$ 2,6 bilhões) necessários para a obra. O Brasil é essencial para atingirmos esse objetivo", diz Tim de Zeeuw, diretor do ESO. Em matéria de participação em consórcios astronômicos internacionais, o Brasil não tem bom histórico. Em 1997, o País assinou um acordo com os EUA para participar da Estação Espacial Internacional (ISS), laboratório que fica na órbita da Terra, a cerca de 350 km da superfície. A parceria previa acesso à base e o envio de um astronauta. Em troca, a Agência Espacial Brasileira deveria fornecer instrumentos no valor de US$ 120 milhões. Depois de dez anos de muitas renegociações, o Brasil acabou sendo deixado de lado sem ter enviado nem sequer um parafuso à ISS.
O País corre o risco de repetir o vexame com a ESO?
"Vai depender da vontade política do governo", diz o deputado Emanuel Fernandes, relator do projeto na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, uma das quatro que analisarão o texto. "Geopoliticamente é importante a associação com os europeus, mas ela vai deslocar recursos de outras áreas", afirma Fernandes. No ano passado, todo o Programa Espacial Brasileiro gastou R$ 443 milhões. Isso é pouco mais da metade que o governo gastará só no projeto do telescópio, de acordo com a previsão do ESO. Vale a pena investir isso para o Brasil ser sócio de um clube de ponta na pesquisa científica? Com a palavra, deputados e senadores.
Juliana Tiraboschi - IstoÉ
Entrar para a primeira divisão no clube dos líderes em avanços tecnológicos é a meta de todo país que não se contenta em ser apenas emergente. Para chegar lá, é preciso planejamento, esforço, estudo e dinheiro, muito dinheiro. Exemplo disso é o preço que o Brasil está prestes a pagar por um título de sócio em um clube da elite científica global. Está em análise na Câmara dos Deputados um acordo firmado em 2010 entre o então ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, e o Observatório Europeu do Sul (ESO), consórcio formado por 14 países que operam telescópios de alta tecnologia. Se a parceria for aprovada, o Brasil será o primeiro país de fora da Europa a participar do projeto. O acordo prevê que o País invista até R$ 800 milhões em dez anos, segundo o ESO. Esse dinheiro será usado, principalmente, para financiar a construção do "European Extremely Large Telescope" (E-ELT). O ESO já construiu equipamentos como o Very Large Telescope (VLT) e o Alma, o maior complexo de antenas de radiotelescópio do mundo, ambos instalados no norte do Chile.
Tornar-se membro do ESO abre caminho para o uso dos telescópios e para que empresas brasileiras participem da construção de instrumentos do E-ELT. "O Brasil tem muito a ganhar em conhecimento, acesso a tecnologia de ponta e formação de pessoal", diz Roberto Dias da Costa, chefe do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo. Adriana Válio, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira e professora do Mackenzie, em São Paulo, também se entusiasma. "Antes de 2010, os brasileiros só tinham acesso ao ESO se entrassem em projetos em colaboração com europeus, e agora já podem entrar como autores principais", diz.
Segundo ela, o ESO recebeu 15 projetos brasileiros para o período de 1º de abril a 30 de setembro de 2013, com um índice de sucesso de 25% para o VLT e de 50% para outros telescópios. Segundo a direção do ESO, essa taxa é igual à dos demais membros. O astrônomo Cássio Barbosa, da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), não compartilha do ânimo de seus colegas. "Só os pesquisadores que já tinham parcerias com os europeus estão tendo projetos aprovados. Os cientistas mais jovens vão ter dificuldade de acesso", acredita.
Mais peremptório na defesa de que o Brasil salte fora do projeto é João Steiner, professor de astronomia na USP. Na opinião dele, o custo é absurdamente caro e não garante acesso aos equipamentos: "Os brasileiros vão competir em desigualdade com os europeus, que são em maior número e mais qualificados. Estamos subsidiando a ciência europeia com dinheiro do nosso contribuinte". O pesquisador defende que o Brasil participe de consórcios mais baratos de outros telescópios, como o Giant Magellan Telescope (GMT), que será construído também no Chile, e o Thirty Meter Telescope (TMT), com instalação prevista no Havaí.
Enquanto os astrônomos debatem, o ESO aguarda. "A fabricação do E-ELT só começará quando as contribuições chegarem a 90% do um bilhão de euros (R$ 2,6 bilhões) necessários para a obra. O Brasil é essencial para atingirmos esse objetivo", diz Tim de Zeeuw, diretor do ESO. Em matéria de participação em consórcios astronômicos internacionais, o Brasil não tem bom histórico. Em 1997, o País assinou um acordo com os EUA para participar da Estação Espacial Internacional (ISS), laboratório que fica na órbita da Terra, a cerca de 350 km da superfície. A parceria previa acesso à base e o envio de um astronauta. Em troca, a Agência Espacial Brasileira deveria fornecer instrumentos no valor de US$ 120 milhões. Depois de dez anos de muitas renegociações, o Brasil acabou sendo deixado de lado sem ter enviado nem sequer um parafuso à ISS.
O País corre o risco de repetir o vexame com a ESO?
"Vai depender da vontade política do governo", diz o deputado Emanuel Fernandes, relator do projeto na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, uma das quatro que analisarão o texto. "Geopoliticamente é importante a associação com os europeus, mas ela vai deslocar recursos de outras áreas", afirma Fernandes. No ano passado, todo o Programa Espacial Brasileiro gastou R$ 443 milhões. Isso é pouco mais da metade que o governo gastará só no projeto do telescópio, de acordo com a previsão do ESO. Vale a pena investir isso para o Brasil ser sócio de um clube de ponta na pesquisa científica? Com a palavra, deputados e senadores.
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