Cosmos | Por Carl Sagan

Estrelas binárias criam jatos em nebulosa planetária

Cientistas confirmam que Fleming 1 tem duas anãs brancas em seu interior que trocam matéria entre si. Fenômeno, até então sem explicação, faz com que jatos cósmicos sejam lançados dos polos de uma das estrelas 

Ricardo Carvalho - Veja 


A nebulosa planetária Fleming 1 observada com o Very Large Telescope, do ESO. Na imagem, aparecem as estruturas simétricas dos jatos existentes nas nuvens de gás circundantes
A nebulosa planetária Fleming 1 observada com o Very Large Telescope, do ESO. Na imagem, aparecem as estruturas simétricas dos jatos existentes nas nuvens de gás circundantes (H. Boffin/ESO)

Edward Pickering (1846-1919), diretor do Harvard College Observatory, disse certa vez que sua governanta faria um trabalho muito melhor do que os assistentes que o observatório da universidade americana dispunha no final do século 19. Ele não poderia estar mais certo. Aluna brilhante desde os tempos do colégio, a escocesa Williamina Fleming (1857-1911) rapidamente aprendeu o ofício, desenvolveu novos métodos de classificação de estrelas e foi a primeira a observar e catalogar diversos corpos celestes. Entre eles, a nebulosa planetária batizada de Fleming 1.

Desde que o desenvolvimento de telescópios mais modernos, como o Hubble, tornou possível a observação de nebulosas na nossa galáxia em mais detalhes, um fato peculiar chamou a atenção dos astrônomos. Além de uma coroa de gás esverdeada mais ou menos esférica, Fleming 1 apresentava dois jatos vermelhos em espiral, cuja existência simplesmente não podia ser explicada.

Agora, os cientistas dizem finalmente ter descoberto o que causa esse fenômeno na nebulosa. Após observações com os instrumentos do Very Large Telescope do Observatório Europeu do Sul (ESO, em inglês), no Chile, um grupo de astrônomos confirmou que o efeito, também chamado "irrigador", é causado por um sistema binário. Em outras palavras, pela interação e troca de matéria entre duas estrelas já mortas (anãs brancas) que orbitam entre si. A partir de simulações de computador, os cientistas já tinham levantado a hipótese segundo a qual esses jatos, que se assemelham a longos braços saindo da coroa de gás da nebulosa, eram resultado da interação de duas estrelas. Só que faltava encontrá-las.

Proximidade inesperada — Um par estrelas de fato foi avistado no interior de Fleming 1, confirmando as simulações de computador. Mas as imagens do ESO também capturaram algo inesperado: as duas anãs brancas estavam muito próximas uma da outra, com um período orbital de apenas 1,2 dia. "Os astrônomos já tinham sugerido uma estrela binária (como causa do efeito "irrigador"). Mas sempre pensou-se que, sendo este o caso, o par estaria bem separado, com um período orbital de dezenas de anos ou ainda mais longo", afirma Henri Boffin, um dos responsáveis pelo estudo que será publicado nesta sexta-feira na revista Science.


Astrofísico da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Gustavo Rojas explica que a incrível proximidade entre as duas estrelas faz com que haja uma intensa transferência de matéria entre os dois corpos. Apesar de terem idade semelhante, algo em torno de 8 bilhões de anos (o Sol tem cerca de 5 bilhões), por alguma razão um dos astros adquiriu mais massa do que o outro. Como resultado, ele começou a sugar a matéria do companheiro, formando um disco (chamado disco de acreção) que circula a "estrela vampira". O disco altera o comportamento de qualquer material que é ejetado dos polos da anã branca de maior massa, dando o formato dos dois jatos espirais observáveis na Fleming 1.

Localizada na constelação de Centauro, Fleming 1 faz parte de um grupo de nebulosas que apresentam morfologias bastante estranhas, como filamentos e jatos intensos. Um outro exemplo disso é a nebulosa Olho de Gato, com uma complexa estrutura de arcos que se entrelaçam. Diego Falceta-Gonçalves, astrofísico da USP, explica que há uma série de teorias sobre o que causa configurações tão intricadas. "Tentava-se explicar esses fenômenos pela velocidade de rotação das estrelas, pelos campos magnéticos ou pela interação entre duas estrelas", diz. É a primeira vez que uma dessas concepções é confirmada em observações. "Isso não quer dizer que todas (as nebulosas de forma complexas) são causadas por isso", pondera Falceta-Gonçalves.

David Jones, do ESO, espera que a descoberta ajude a explicar as estruturas inesperadas em outras nebulosas. "Estudando esse sistema, podemos começar a entender todo o processo em funcionamento desses objetos. Não apenas os que formam os espetaculares jatos na Fleming 1, mas os que criam anéis, nodos e demais estruturas estranhas (em outras nebulosas)."

Nebulosas – Comparado ao tempo total de vida de uma estrela, de bilhões de anos, uma nebulosa planetária dura bem menos, apenas alguns milhares de anos. Por isso, a coroa de gás multicor de uma nebulosa planetária é uma espécie de último suspiro de uma estrela. Quando morre, a estrela começa a inchar e a ejetar camadas exteriores, perdendo massa e formando uma enorme – e belíssima – coroa de gás. Essa coroa pode ser constituída por átomos de hidrogênio, oxigênio ou nitrogênio, entre outros elementos, que se excitam quando são bombardeados pela luz proveniente da matéria quente no centro da estrela moribunda. Isso faz com que os gases das nebulosas assumam as mais diferentes cores. Pela sua massa, o nosso Sol, quando morrer, formará uma nebulosa.

Comentários


Amazon Prime Video

Postagens mais visitadas